Implicações Jurídicas na Incorporação Imobiliária: garantias e vantagens dos adquirentes e das incorporadoras.
- Matheus Costa Ferreira
- 26 de jun.
- 7 min de leitura
Por Amanda Ventura
Maio de 2025
Este artigo examina aspectos significativos do Direito Imobiliário, com foco nos direitos e deveres existentes nas relações de incorporações imobiliárias. Este é um tema de alta relevância, tendo em vista o crescimento urbano e o aumento da demanda por transações imobiliárias, especialmente em empreendimentos ainda em construção. O objetivo deste texto é analisar as implicações jurídicas das incorporações imobiliárias, sua regulação e a proteção dos direitos dos envolvidos.
O Direito Imobiliário desempenha um papel fundamental na regulação das transações envolvendo bens imóveis. Com o aumento da população e a expansão das áreas urbanas, muitos proprietários de terras buscam transformar suas propriedades em empreendimentos imobiliários. Essa dinâmica envolve uma série de procedimentos legais, desde o parcelamento do solo até as complexas questões de financiamento e garantias reais.
Em particular, a incorporação imobiliária, cuja regulação consta da Lei nº 4.591/64, permite a realização de edificações para alienação total ou parcial de unidades, ainda na fase de construção. Neste modelo, portanto, a venda de unidades ocorre durante a etapa construtiva.
No contexto das incorporações imobiliárias, o incorporador é a figura responsável pela construção e entrega das unidades, bem como pela transferência da propriedade. O proprietário do terreno, se não for também incorporador, não pode ser responsabilizado pela não conclusão da obra ou eventuais dificuldades relacionadas à entrega do imóvel, uma vez que sua obrigação se limita à transferência da propriedade do terreno para o incorporador.
Assim, a legislação estabelece que as obrigações com os compradores são de responsabilidade do incorporador, que deve cumprir os prazos e condições acordados para a entrega das unidades.
Esse modelo permite ainda que os incorporadores obtenham recursos antecipados por meio da venda das unidades antes da conclusão da obra. Dessa forma, fica facilitada a viabilização de empreendimentos residenciais, comerciais ou mesmo mistos.
Os incorporadores podem obter recursos para construções por meio do financiamento de empreendimentos imobiliários, viabilizado pela antecipação de recebíveis. Para isso, podem utilizar mecanismos como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), regulados pela Lei nº 9.514/97 e a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) constante na Lei nº. 10.931/04.
De acordo com o artigo com o art. 6º da Lei nº 9.514/97, CRIs são títulos de crédito nominativos, ou seja, com identificação do beneficiário, de livre negociação, lastreados em créditos imobiliários e constituem promessa de pagamento em dinheiro. Assim, eles possibilitam que os incorporadores captem capital para iniciar ou dar continuidade às obras sem depender de recursos próprios ou financiamentos convencionais
A incorporadora ou construtora vende seus créditos a receber, provenientes da alienação financiada de imóveis, para uma companhia securitizadora que irá convertê-los em títulos negociáveis no mercado financeiro (os CRIs). Esses títulos, então, serão vendidos a investidores, que passam a receber os pagamentos feitos pelos compradores dos imóveis, o que inclui tanto a amortização quanto os juros.
Já Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) é um título de crédito que representa, total ou parcialmente, créditos imobiliários, podendo ser emitida por qualquer pessoa, física ou jurídica, desde que seja titular desses créditos. Esse instrumento é negociável no mercado financeiro, proporcionando maior liquidez e flexibilidade nas operações imobiliárias.
O credor original, por exemplo, uma incorporadora, emite a CCI e a negocia no mercado, transferindo os direitos de recebimento da dívida para investidores ou outras instituições financeiras. Um aspecto relevante desse processo é que a negociação independe da autorização do devedor do crédito imobiliário, o que torna a captação de recursos mais ágil e eficiente para a parte empreendedora.
Assim, a título de exemplo, se uma incorporadora vende cinco unidades para compradores distintos, ela pode emitir uma única CCI correspondente a esses créditos e cedê-la a um banco, que então passa a ter o direito de receber os valores referentes às vendas financiadas.
Esses modelos oferecem vantagens para as incorporadoras, que conseguem recursos imediatos para dar continuidade aos seus projetos, enquanto os investidores têm a oportunidade de adquirir um título de renda fixa, com potencial de retorno atraente.
Dessa forma, não apenas viabilizam a conclusão de empreendimentos imobiliários, mas também geram uma dinâmica de financiamento inovadora e atrativa para o mercado, tanto para as empresas quanto para os investidores.
As vantagens não são destinadas apenas às incorporadoras: os compradores também contam com proteções. Na incorporação, são firmados contratos de compra e venda que asseguram o direito ao imóvel, incluindo cláusulas de rescisão que determinam a devolução dos valores pagos caso o incorporador desista da obra dentro do prazo estipulado. Além disso, esses contratos podem prever multas por atrasos e outros direitos para os adquirentes.
A maioria dos contratos de incorporação imobiliária é elaborada na forma de contratos de adesão, estando, portanto, sujeita às disposições da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), que tem como premissa a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo.
Consequentemente, torna-se possível sua revisão quando forem identificadas cláusulas abusivas aos direitos do consumidor ou diante de eventos supervenientes que os tornem excessivamente onerosos para o adquirente.
No entanto, enquanto a construção não for concluída e o preço não for integralmente pago pelos adquirentes, a transferência do domínio das unidades ainda não terá ocorrido. Dessa forma, as unidades permanecem no patrimônio do incorporador e podem ser utilizadas para satisfazer outros credores, como aqueles relacionados a dívidas trabalhistas e tributárias, conforme o princípio de que o patrimônio de uma pessoa constitui a garantia geral de seus credores.
Para reforçar a proteção dos compradores diante desse risco, a legislação brasileira prevê o regime de afetação, um mecanismo que oferece segurança adicional.
A Lei nº 4.591/64, com a inclusão do artigo 31-A[1] pela Lei nº 10.931/04, estabelece que o patrimônio de afetação responde exclusivamente pelas obrigações relacionadas ao próprio empreendimento, proporcionando maior segurança jurídica aos compradores. Dessa forma, em caso de falência do incorporador, o patrimônio vinculado à incorporação não pode ser utilizado para quitar dívidas com outros credores, garantindo a prioridade na entrega das unidades.
Nesse contexto, as obras submetidas ao patrimônio de afetação ficam protegidas e não podem ser destinadas ao pagamento de débitos do incorporador falido, respondendo apenas perante os compradores das unidades do edifício em construção e, quando houver garantia real registrada - com o produto integralmente destinado à obra[2] - ao agente financiador respectivo.
Outro importante mecanismo que proporciona segurança para os adquirentes é a possibilidade de continuidade do empreendimento em caso de dificuldades financeiras da incorporadora. A legislação prevê que, diante de uma crise financeira grave, os próprios compradores podem assumir a gestão do projeto. Para isso, é permitida a convocação de uma assembleia de adquirentes, na qual são definidas as medidas necessárias para viabilizar a conclusão da obra[3]. Esse direito reforça a proteção dos compradores, assegurando que a construção prossiga mesmo diante de adversidades enfrentadas pela incorporadora.
O patrimônio de afetação pode ser estabelecido a qualquer momento, mediante a averbação de um termo, assinado pelo incorporador e pelos titulares de direitos aquisitivos sobre o terreno, no Registro de Imóveis competente.
Apresentadas as formas de captação de recursos das incorporadoras e alguns mecanismos de garantia de direitos dos adquirentes, é importante ressaltar que, na prática, a relação entre essas duas partes frequentemente gera disputas jurídicas, especialmente no que se refere à cláusula penal em casos de inadimplemento contratual ou rescisão do contrato. Assim, com o objetivo de minimizar conflitos e estabelecer regras mais claras para ambas as partes, foram introduzidos, pela Lei nº 13.786, de 2018, os artigos 35-A, 43-A e 67-A na Lei de Incorporações (Lei nº 4.591/64).
Esses dispositivos estabelecem diretrizes essenciais que devem constar nos contratos, assegurando transparência e equilíbrio entre as partes envolvidas. Dentre as principais determinações, destaca-se a necessidade de iniciar-se o pacto com um quadro resumo contendo as principais informações do contrato (Art. 35-A). Além disso, ressalta-se a regulamentação do prazo de carência de 180 dias para atraso na entrega do imóvel, período durante o qual não há previsão de indenização ao adquirente (artigo 43-A). Além disso, a legislação fixa um teto para a penalidade aplicada em casos de inadimplência (artigo 67-A), garantindo previsibilidade e proteção tanto para incorporadores quanto para compradores.
As alterações legislativas buscam equilibrar os interesses envolvidos, delimitando as consequências do descumprimento contratual por qualquer das partes e oferecendo maior previsibilidade jurídica. Assim, a regulação contribui para a pacificação das disputas no setor imobiliário, promovendo um ambiente mais seguro tanto para os incorporadores quanto para os adquirentes.
É possível concluir que esse modelo de negócio oferece proteções que o tornam seguro e vantajoso para ambas as partes. A análise das legislações aplicáveis, como a Lei de Incorporações Imobiliárias, a Lei de Financiamento Imobiliário e a Lei de Patrimônio de Afetação, demonstra a existência de um sistema jurídico estruturado para assegurar a segurança das transações e reduzir os riscos para compradores, incorporadores e proprietários. Dessa forma, a adoção das medidas legais adequadas contribui para a estabilidade do mercado imobiliário, mesmo em cenários de incerteza econômica.
Portanto, em um panorama de constante crescimento urbano e aumento nas transações imobiliárias, o conhecimento profundo das normas legais e o uso de instrumentos de proteção são fundamentais para assegurar a confiança no mercado imobiliário, paralelamente ao direito dos adquirentes.
[1] Lei 4.591/64, Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.
§ 1o O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva.
[2] Lei 4.591/64, Art. 31-A. (...) § 3º Os bens e direitos integrantes do patrimônio de afetação somente poderão ser objeto de garantia real em operação de crédito cujo produto seja integralmente destinado à consecução da edificação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias e de suas pertenças aos respectivos adquirentes.
[3] Lei 4.591/64, Art. 31-F. Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação.
§ 1o Nos sessenta dias que se seguirem à decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador, o condomínio dos adquirentes, por convocação da sua Comissão de Representantes ou, na sua falta, de um sexto dos titulares de frações ideais, ou, ainda, por determinação do juiz prolator da decisão, realizará assembleia geral, na qual, por maioria simples, ratificará o mandato da Comissão de Representantes ou elegerá novos membros, e, em primeira convocação, por dois terços dos votos dos adquirentes ou, em segunda convocação, pela maioria absoluta desses votos, instituirá o condomínio da construção, por instrumento público ou particular, e deliberará sobre os termos da continuação da obra ou da liquidação do patrimônio de afetação (art. 43, inciso III); havendo financiamento para construção, a convocação poderá ser feita pela instituição financiadora.
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